
Saúde mental na cena eletrônica: quando as luzes se apagam e a pista esvazia, como ficam os artistas?
- Por Cissa Gayoso -
Nunca se fez tão necessário falar sobre saúde mental como atualmente. Em um contexto pós-pandemia, em que o mundo deseja recuperar o “tempo perdido”, tudo parece estar rápido demais, ao passo que os indivíduos aparentam não conseguir acompanhar o mesmo ritmo. O impacto da montanha-russa de emoções que vivemos nos últimos anos está atingindo a todos, sem distinção de credo, classe social, origem ou raça.
A cena eletrônica mundial não é nenhuma exceção quando falamos sobre este assunto, muito pelo contrário, percebe-se que há um senso comum de que “está todo mundo mal de alguma forma”. Mesmo com todo o glamour presente na indústria da música, existe um outro lado da moeda, que percorre silenciosamente os backstages e estúdios mundo afora e diz respeito àquilo que não é observado na superfície, afinal, o que vemos é só a pontinha do iceberg.
Em 2018, quando a Dance Music perdeu Avicii para o suicídio, que é a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), foi possível perceber que nem tudo é o que parece. Mesmo com as pistas lotadas, fãs alucinados e muito dinheiro, Tim Bergling foi mais uma das tristes perdas do mercado da música, lançando luz à importância de se falar em depressão, ansiedade, suicídio e saúde mental em geral.
Uma pesquisa realizada pela Play BPM em 2021 à respeito da saúde mental de DJs e produtores brasileiros durante a pandemia, confirmou o que era esperado: o isolamento social, a falta de eventos, o desemprego e todo o cenário político-social do Brasil fizeram com que o número de pessoas com depressão, ansiedade, síndrome do pânico e burnout subisse consideravelmente. No entanto, a situação mudou nos anos seguintes, em 2022 e 2023, com o retorno de festas, festivais e reabertura de clubes e fronteiras, trazendo à tona outras questões a serem lidadas, como a insalubridade da profissão de artista, a instabilidade pós-crise, a dificuldade de inserção no mercado e demais aspectos nem sempre levados em consideração quando o DJ está na cabine ou o produtor se encontra dentro do estúdio.
Um dos maiores estudos já realizados sobre a saúde mental no meio musical foi feito pela Universidade de Westminster em parceria com a MusicTank, o “Help Musicians UK”, com 2.211 músicos e pessoas da indústria. Na ocasião, a pesquisa apontou que 70% dos participantes afirmaram já terem passado por ataques de pânico e/ou altos níveis de ansiedade, além de 68,5% relatarem ter depressão.
O famigerado sucesso que muitos profissionais desejam alcançar possui um preço: privação de sono, falta de tempo com família e amigos, muita pressão da indústria musical, álcool, drogas, redes sociais e competitividade. Além disso, os extremos ficam mais evidentes com o choque de experiências antagônicas em um curto período de tempo: o amor dos fãs vem acompanhado da grosseria dos haters, a pista de dança com 70 mil pessoas se transforma em um solitário quarto de hotel, a cama quentinha de casa passa a ser a poltrona do avião, e toda essa dinâmica pode se tornar gatilho mental para os profissionais do meio artístico.
E não para por aí, com a globalização digital e o aumento do alcance dessas pessoas, tanto o lado positivo quanto o lado negativo da profissão foram realçados. Para ser reconhecido, visto e valorizado como artista hoje em dia, não basta mixar e/ou produzir, é preciso desenvolver o marketing pessoal, ter um ótimo engajamento nas redes, alcançar os charts, bater o recorde de plays no Spotify, lançar uma música atrás da outra, gravar incontáveis sets e, se fosse humanamente possível, estar em dois lugares ao mesmo tempo. O nível de exigência está muito elevado, então, é imprescindível que o profissional seja capaz de lidar com o excesso de frustrações, dificuldades, invalidações e escassez de oportunidade.
Além disso, com o potencial viral das redes sociais, “muitos jovens ficam famosos com 16/17 anos, momento no qual ainda estão construindo suas personalidades e não têm maturidade suficiente para lidar com o peso que ser artista pode carregar”, declara a psicóloga, DJ e produtora Rafaella Bueno. De acordo com Bueno, “a área de raciocínio lógico do cérebro só fica madura por volta dos 25 anos”, e se já é difícil para os mais experientes artistas da cena como Armin van Buuren, Deadmau5, Vintage Culture, Alok e tantos outros, imagina para aqueles que têm suas vidas transformadas da noite para o dia, e nem sequer amadureceram completamente!
Dessa forma, em se tratando de saúde mental, é preciso que a pauta gire em torno da PREVENÇÃO, como aponta escrito por Rafaella Bueno em setembro de 2022 no artigo "A saúde mental na cena eletrônica brasileira no pós-pandemia: é preciso se lembrar de quem já se foi, mas, mais do que isso, é preciso honrar as lições que eles nos deixaram", e que DJs e produtores, independentemente de qual momento da carreira se encontrem, busquem acompanhamento psicoterapêutico, mesmo quando acreditam que não precisam ou que dão conta sozinhos. Além do mais, a atenção à saúde da mente é um dever de todos, uma vez que cada um possui suas dores e não é possível comparar o todo de uma pessoa com apenas uma parte de outrem. Empatia é entender as dores do outro a partir do ponto de vista dele, e exercê-la é fundamental para não cair em armadilhas de comparação e/ou julgamento.
Viver da música é uma bênção, aqueles que escolhem o caminho da arte são corajosos e transformam o mundo, mas para seguirem presenteando-o com suas melodias e batidas, é necessário estar com a mente sã e saudável. Embora seja uma carreira extremamente gratificante e linda, a rotina não é fácil e exige muito sacrifício. Cuidar do que há de mais precioso nos seres humanos é não somente importante, como necessário.
Assim sendo, artistas em ascensão precisam de ajuda para aguentar o rojão e as frustrações da profissão, enquanto os já consolidados e famosos necessitam de cuidados para lidar com os paradoxos da fama. Em qualquer um destes casos, quando o último drop é tocado, as luzes se apagam e a pista de dança esvazia, só resta o indivíduo e sua mente. Então, que ela esteja em sua melhor forma possível!
Imagem de capa: Rukes
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Pesquisa realizada pela Play BPM aponta que a saúde mental dos DJs e produtores brasileiros está debilitada, especialmente no período da pandemia A saúde mental na cena eletrônica brasileira no pós-pandemia: é preciso se lembrar de quem já se foi, mas, mais do que isso, é preciso honrar as lições que eles nos deixaramSobre o autor

Cissa Gayoso
Sendo fruto do encontro de uma violinista com um violonista, a música me guia desde sempre e nela encontrei a família que escolhi para chamar de minha. A partir de 2021, transformei minha paixão em profissão e, desde então, vivo imersa nas oportunidades e vivências que este universo surpreendente da arte me entrega a cada momento! De social media à editora-chefe da Play BPM, as várias facetas do meu ser estão em constante mudança, mas com algumas essências imutáveis: a minha alma que ama sorrir, a paixão por música, pela arte da comunicação, e as conexões da vida que fazem tudo valer a pena! 🚀🌈🍍
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