Por Isabela Junqueira.
É impossível falar sobre o desabrochar da música eletrônica em território nacional sem mencionar o icônico DJ Magal, que muito bem resumido nas palavras de Claudia Assef, se posiciona “apenas” como o “DJ dos DJs”.
São 40 anos como um dos grandes protagonistas das reverberações sintéticas no país, o que conflui em uma contribuição inenarrável para a cena sólida que usufruímos hoje. E se em algum momento da leitura desse texto que caminha para entrevista, você achou que Magal ruma para uma possível aposentadoria, saiba que você está completamente equivocado.
Mais ativo do que nunca, o deejay integra o time de agenciados da SmartBiz, além de lecionar discotecagem na Universidade Anhembi Morumbi e ser o responsável pelo Radiografia (programa mensal no Na Manteiga Radio), entre muitos outros feitos que o consagram como esse ícone perene.
Tivemos a honra de papear com o maestro que emergiu diretamente das pistas da casa da “geração perdida” (abrigo nacional dos primórdios underground, Madame Satã) para reverberar música boa por esse mundão. Confira!
Olá, Magal. Não há palavras que descrevam a honra de entrevistar um protagonista como você. A geração Z demonstra um forte apego às melodias sintéticas, o que indica que ainda veremos a música eletrônica avançar mais em termos de ocupação de espaços. Como você explicaria para essa geração, dos nascidos a partir dos 2000, a importância do Madame Satã e do seu trabalho lá em meados dos anos 80?
Hoje estamos vendo nas pistas uma releitura do Postpunk/EBM. Estes estilos chegaram aqui com outra derivação nominal: Darkwave, Darkdisco... artistas como DJ Hell, Curses, Kris Baha já vinham se destacando com esse tipo de música. Aqui no Brasil nós plantamos esta semente lá nos anos 80 na pista do Madame. Mas foi no D-Edge (Cio) nos anos 2000 que eu finalmente me destaquei na cena eletrônica com o Electro/Electroclash. Estilos que carregam referências 80's.
Eu acho que é muito importante refletir sobre esse estigma que você e a trupe do Satã bateram de frente, em uma época que o pré-conceito sobre a música eletrônica era, realmente, muito negativo. É claro que alguns ainda insistem nessas concepções errôneas, mas como você enxerga toda essa movimentação que temos hoje e para onde você vê ela caminhar?
Sim, tudo era muito difícil naquela época. Por muitas vezes eu senti o preconceito com minha profissão. As coisas mudaram com a profissionalização desta profissão. Existem cursos. Sou professor de discotecagem na universidade Anhembi/Morumbi há 13 anos. Eu vejo um futuro promissor para essa geração. O DJ hoje é visto de uma forma diferente, com o respeito que merece.
Você contribuiu influenciando e literalmente formando muitos e muitos amantes da música eletrônica. Seja encantando pelas pistas ou em salas de aula, não é? E como você lida com essa responsa há quarenta anos? É muito potente influenciar positivamente assim, parabéns, inclusive!
Obrigado! Eu lido com isso de uma forma muito simples. Respeitando e aprendendo. Gosto de deixar claro que a responsa não é só minha. Eu valorizo demais um DJ iniciante. Mostro pra ele/ela que somos iguais. Pra mim não existe competição e sim uma troca.
Quando você começou a atuar, imaginou algum dia que a nossa cena tomaria esse rumo tão potente e feroz? Como você imaginava o futuro láááá nos primórdios?
Sinceramente, eu sabia que nossa cena se tornaria forte. Nós trabalhamos para que isso acontecesse. Desde o Madame a gente sempre teve muito cuidado com todos os detalhes. Sonorização, pesquisa, cachês justos, segurança... quando você consegue essa combinação, dificilmente as coisas dão errado. Eu tenho muito orgulho de tudo que vejo hoje.
E diante de todo esse contexto, como a SmartBiz te auxilia a seguir nessa atuação tão certeira?
Eu já tive experiências muito ruins com agentes. Eu fiquei quase a minha vida toda sem. Mas o Fernando me conhece há tempos, ele sabe como sou. Ele me aconselha e me ouve também. Além de trabalharmos juntos, somos amigos.
Rola facilmente dizer que através do Radiografia (no Na Manteiga Radio), você traz protagonistas que cruzaram caminhos consideravelmente com você ao longo de sua trajetória, né?
Não só os que cruzaram mas os que podem cruzar também! O espaço é dedicado a artistas que fazem trabalhos relevantes e que de certa forma contribuem com a cena. Seja daqui ou do exterior.
E contextualiza também o background que proporcionou a sua ascensão. Sua família já tinha um envolvimento com discotecagem, não é mesmo?
Sim, meu irmão Ronaldo já falecido que me ajudou desde o início.
Você faz parte de um seleto grupo de profissionais que não formaram uma espécie de escudo à contemporaneidade e possíveis mudanças, pelo contrário, você foi dançando muito bem conforme a música (com o perdão do trocadilho). Isso é o que te agrega esse tom de artista perene?
Eu vivo e respiro música. A minha longevidade profissional vem do fato de eu gostar de conhecer pessoas e compartilhar conhecimento.
Entre tudo que você fez ao longo dessas quatro décadas tocando almas amantes da música, o que, pra você, foi o mais marcante?
Foi conseguir sair do Brasil pra mostrar meu trabalho e participar de festivais importantes como o Dekmantel. Para mim isso era um sonho que eu consegui realizar.
Em 40 anos atuando, é tranquilo afirmar que você nunca tinha vivenciado uma situação de estanque imposta como a gerada pela pandemia. O que esse momento de reclusão te deixou de aprendizados?
Aprendi a separar o que vale a pena na vida. Os amigos de verdade que ficaram ao meu lado e outros que conheci neste período. Hoje eu sou uma pessoa bem diferente de antes da pandemia.
E o que você gostaria de dizer para quem recém descobriu a música eletrônica ou ainda vai descobrir?
Não se prenda a um estilo. Mesmo que você não goste, permita-se ouvir coisas diferentes. Isso não só vai ampliar seu universo musical como também vai oferecer um campo maior de trabalho.
E para finalizar: nada de previsão de aposentadoria, né?! Obrigada pelo papo, Magal!!
Eu posso até parar de tocar um dia, mas com certeza vou continuar trabalhando com música. Obrigado a vocês pelo espaço e pela gentileza!
Imagem: divulgação.