“Um dos projetos mais elaborados que já participei até agora”, declara Du Serena sobre nova edição do DGTL São Paulo 2022
De DJ que organizava a sua própria festa no quintal da casa de amigos para um dos produtores de eventos de música eletrônica mais prestigiados do Brasil, Du Serena é um nome que figura na construção da história da cena eletrônica nacional.
Além de ser o head do Tribe Festival, que existe há 20 anos e foi um dos primeiros festivais de música eletrônica do país, Serena é dono da Kontrol Agency, responsável por produzir diversas festas de respeito pelo estado, em parceria com selos internacionais como Circoloco, Solid Grooves e muito mais.
Com grande conhecimento sobre as diversas áreas de um evento, desde line-up até cenografia e atividades dos bastidores, Du Serena está usando sua carreira cheia de bagagem para elaborar a nova edição do DGTL no país. Com origem holandesa, e trazendo a cultura e a atmosfera criada pela marca internacional, o DGTL São Paulo 2022 desembarca no Brasil em abril, depois de dois anos de hiato.
Sobre esse grande desafio de reposicionamento do festival sob nova direção e os altos e baixos de sua trajetória, sobretudo os aprendizados ao longo dessa jornada, conversamos com o produtor e você pode conferir a seguir:
Oi, Du! Seu início no setor de entretenimento, na verdade, ocorreu porque você era DJ e queria espaço para se apresentar. Como não tinha experiência em produção de eventos, você foi aprendendo enquanto organizava as festas. De que forma isso moldou o profissional que você é hoje?
Eu fui aprendendo como se produz um evento produzindo os meus próprios. Naquela época, a cena de música eletrônica no Brasil era embrionária, existia pouca informação sobre como se faziam as coisas. A gente foi na raça, descobrindo e aprendendo, e isso acabou me moldando como um profissional que entende de como produzir quase que todas as áreas do evento, porque durante muitos anos fiz um pouco de tudo: estrutura, cenografia, layout, comecei a entender cada vez mais de som e técnica sonora… desse jeito fui passando como um estagiário, que ao mesmo tempo era dono do próprio negócio, por todos os setores, inclusive, o financeiro, o que me ajudou a entender um evento como um todo.
Em 2000, aos 20 anos, você criou a festa Tribe, imprimindo flyers escondido em seu antigo trabalho como estagiário em vendas. De 50 pessoas na primeira edição, 25 mil compareceram em 2005, no maior evento de Psytrance do mundo naquele ano. Em 2006, com mais palcos e gêneros, tornou-se um festival. É inegável a força da Tribe na cena eletrônica brasileira e no que ela se transformou hoje. Como ocorreu a construção dessa comunidade e a evolução dela?
A evolução aconteceu de forma natural e orgânica. A cada evento que a gente fazia, no evento seguinte queríamos ir um pouco mais longe, aprimorando os processos, ousando, arriscando e gradativamente evoluindo. Ela acabou saindo de uma festa de um palco para uma festa de dois, três, quatro, cinco palcos… tornando-se um festival. Mas isso fomos fazendo sentindo o momento e o público, amadurecendo internamente a ideia e, claro, com um ótimo toque de ousadia e empreendedorismo, porque não é simplesmente apertar um botão e falar: “ah vamos virar um festival ou vamos adicionar mais palco”; não, é um grande desafio dar esse passo, e a gente fez isso de uma maneira orgânica e intuitiva, que eu acredito fazer parte do empreendedor também. Mas, no fim, acabou sendo um sucesso.
Você comentou em outras entrevistas que “os maiores tombos são as maiores lições” e acabou experimentando isso em duas edições do Tribe Festival, que foram prejudicadas por conta de fenômenos naturais, como tempestades e temperatura baixa. Como você contornou essas situações e tornou a marca Tribe um dos maiores festivais nacionais?
A Tribe já teve dois grandes tombos, um em 2005, na famosa “Tribe lama”, e um em 2016, quando tivemos um problema logístico muito grande no acesso do festival. Em ambas as situações levamos um tempo mas conseguimos posicionar a marca, porque assim como em qualquer empresa haverão crises e erros, mas quando a essência e o DNA da marca é forte o suficiente, as pessoas obviamente ficam frustradas, decepcionadas e bravas quando algo que não é do agrado delas acontece, mas elas tendem a dar uma segunda chance, porque afinal de contas não é porque fizemos um evento e deu errado que isso se aplicará em todos os outros, fizemos centenas de eventos e em pouquíssimas ocasiões algo deu errado. Se tivéssemos feito coisa ruim atrás de coisa ruim seria impossível chegar em algum lugar ou reposicionar qualquer marca que seja. Então, a vida é feita de erros e acertos, altos e baixos, mas se sua taxa de acertos for muito maior que de erros, a tendência é que você consiga ser bem sucedido fazendo aquilo que você se propôs a fazer.
Ainda citando os episódios de repercussão negativa na internet comentados na pergunta anterior, o Tribe Festival precisou se recompor, mesmo com uma sólida história e público fiel. Como lidou com as críticas?
Na verdade, a pior coisa não é ser criticado, xingado etc., a que mais dói, machuca e é difícil de superar é a sensação de ter fracassado naquilo que você se propôs a fazer. Então, se eu to fazendo um evento eu quero que ele seja extremamente marcante na vida das pessoas que estão ali, que seja positivo, e quando isso não acontece é uma sensação de fracasso e é muito pior que ser criticado e xingado. Às vezes o evento em si rodou perfeitamente, as pessoas gostaram, estão ali se divertindo, mas tem algo que eu não gostei e que ninguém está vendo, não gostei do jeito daquele determinado item do evento, não funcionou do jeito que tinha que ser, por exemplo. Fico louco com isso, me incomoda muito, e isso acontece porque sou completamente apaixonado pelo que faço, me cobro muito e acho que a pior crítica é a autocrítica, pra mim acaba doendo mais do que alguém na internet falando algo de mim que nem me conhece e nem sabe o que aconteceu no evento, por exemplo.
São mais de 20 anos de carreira, em que você chegou a dizer em entrevistas que a compensação financeira, no seu caso, é algo secundário, porque o amor é o que figura em primeiro plano ao produzir um evento. Esse é o mote que rege seu trabalho?
A parte financeira acaba sendo consequência, não é a meta. O goal é produzir um grande festival e uma grande festa, entregar uma experiência que a gente gostaria de frequentar, então quando conseguimos atingir isso, o resultado acaba vindo. Essa frase que eu disse em entrevista é realmente verdade, pois entramos com muito tesão, não pensando o quanto a gente pode ganhar financeiramente, mas o que podemos realizar, o que seria legal, o que nos empolga, o que nos faz acordar às 5 da manhã pra trabalhar ou ficar até as 4h trabalhando, qual o elemento motivador… claro que a compensação financeira é importante e fundamental, mas não é o drive, é a consequência.
Um dos pontos fortes dentro de toda sua experiência e know how é a pesquisa de DJs para composição de um line-up. O DGTL é um festival renomado mundialmente e segue a cultura criada desde sua edição de origem, na Holanda. Como ocorreu o trabalho de escolha de artistas para o DGTL São Paulo em 2022? É possível balancear highlights internacionais com talentos locais?
Na verdade, o line-up do DGTL foi produzido por diversas mãos: eu, Edu Poppo, Silvio Conchon e o time holandês. Claro que por ser DJ e pesquisar muito sobre estilos e talentos ajuda, mas não tenho conhecimento profundo em todas as vertentes de música eletrônica, então é difícil ter um know how profundo em todos os estilos, por isso é muito importante o input do time. É fácil saber que Amelie Lens e The Blessed Madonna são ótimas artistas, mas descobrir os novos e ter os insights como I Hate Models e Innellea, entre outros nomes incríveis que estão nesse line-up, precisa de muito conhecimento e pesquisa. Quando juntamos uma equipe incrível, super profissional e talentosa, conseguimos chegar num resultado como esse do DGTL São Paulo, então não fiz nada sozinho, é muita gente boa trabalhando junto.
O DGTL São Paulo ocorrerá no Pavilhão do Anhembi. Como foi feita a escolha do local?
A escolha do local foi feita buscando conforto e segurança para o público. Tinha que ser um local que comportasse essa quantidade de pessoas, que a logística funcionasse, que fosse confortável, que fosse urbano - dentro da cidade -, e que pudéssemos produzir um festival no nível que ele merece. O projeto arquitetônico e de layout de luzes e som ficou incrível, as pessoas que estiverem nesta edição do DGTL vão perceber o quanto de energia, horas e neurônios a gente gastou para produzir uma experiência imersiva dentro do nosso projeto de luz e som. Realmente foi um dos projetos mais elaborados que já participei até agora, principalmente de luz, e tenho certeza que vai ajudar o público a entrar realmente na atmosfera do DNA da marca.
Imagem de capa: reprodução.
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Vitória Zane
Editora-chefe da Play BPM. Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música eletrônica <3