Entrevistas

Com mais de uma década de carreira, ZAC faz uma análise sobre sua trajetória na música eletrônica

Começando jovem, aos 17 anos, a missão de ser DJ por uma noite caiu de paraquedas nos braços de ZAC. Depois de topar o desafio e treinar por dois meses, quando ele estreou nos decks é que descobriu o que queria fazer da vida. Daí para a frente, foram anos de muito estudo e aprendizado, para chegar em 2021 e pegar a pista depois de um show de Boris Brejcha, encerrando a memorável noite de reabertura do Laroc Club, o 12º melhor clube do mundo.

Conversamos com o DJ e produtor natural de Santa Catarina sobre sua trajetória e ele nos encantou com detalhes tocantes de sua jornada. Leia:

Voltando ao início de tudo: como ocorreu o encontro entre você e a música eletrônica?

Meu contato com a música eletrônica começou muito cedo, em um pequeno clube aqui da minha cidade que se chamava República, onde eu ia junto com alguns amigos, muitas vezes escondido da família. Nós falamos que íamos jogar videogame e acabávamos caindo nessa boate. No começo eu não entendia muito e jamais passava na minha cabeça ser DJ. Só queria sair pra me divertir, mas tenho lembranças do DJ tocando na cabine. Entrando na faculdade, logo com 16 anos, novos amigos, novos ares, conheci um cara que fazia as festas da faculdade, comecei a entender mais desse mundo. Me disponibilizei a ajudar e entender mais como tudo funcionava, pois eu queria trabalhar, até que um dia recebi uma oferta meio maluca: você vai ser o DJ da minha festa. Eu não sabia tocar, não tinha mínima noção de nada. Mas aceitei o desafio, pedi dois meses para treinar e estudar, fui atrás de conseguir aprender, aprendi… e desde o primeiro dia que toquei, nunca mais fiquei sem trabalho.

No começo, eu tocava em diversas festas, diversos estilos, com banda, com DJ, onde tinha um evento, ali eu estava tocando. Trabalhava na mercearia da minha mãe, estudava e achava tempo pra me dedicar a música, gravava muitos CDs, fui pegando o jeito. Em pouco tempo comecei a entender mais sobre os estilos, até que cai no Warung, conheci Deep Dish, Sasha, Hernan, Booka Shade e aí me apaixonei.

Meus ídolos brasileiros eram Fabrício Peçanha e Leozinho, eu queria ser “igual” a eles. Comecei a seguir esses caras em todos os eventos pra ver eles tocarem, cada dia eu gostava mais, cada dia o resto das coisas não faziam mais sentido. A única coisa que me dava prazer era escutar música, selecioná-las e ir tocar no fim de semana.

Imaginamos que, para um produtor musical, ter a sua faixa reconhecida, aprovada e muito tocada pelo público e pelos DJs seja uma sensação única. Você se lembra da primeira vez que sentiu isso? Como foi?

Eu comecei a produzir muito tempo depois de começar a tocar, foi um mundo novo pra mim, fazer as próprias músicas. Um tanto quanto difícil no começo, por não entender absolutamente nada. Mais uma vez fui estudar, me dediquei e comecei a dar os primeiros passos.

A primeira vez que senti isso de maneira forte, verdadeira, foi no Warung, quando Hernan Cattaneo tocou a faixa “Crystal” pela primeira vez. O mais engraçado é que foi exatamente no momento que fui ao banheiro. Eu não consegui ver a pista vibrando, mas senti a energia…

A parada é que ele iria fazer um long set, no final de dezembro, eu estava programado para vê-lo e já fazia uns seis meses que estava focado em produzir músicas para ele tocar esse dia. Como o set seria extenso, minha chance de receber um suporte era maior. Foram noites em claro, dias e dias na frente do computador… e deu certo.

A sua sonoridade sempre foi e cada vez é mais algo extremamente singular. Como você desenvolveu esse som?

Isso foi um grande processo de encontro primeiramente comigo mesmo. Autoconhecimento. Pois no começo a moda ou tendências flertam com a sua mente e muitas vezes tiram o foco do seu propósito.

A minha música é exatamente o reflexo de quem eu sou, da minha personalidade, das histórias que tive na minha vida.

A singularidade dela pode ser entendida pela maneira como misturo as coisas, muitas vezes arriscando conectar coisas que até então não foram conectadas. Eu não tenho medo de arriscar, de fugir do óbvio e gosto de sentir a adrenalina de estar se arriscando.

Minha influência é progressiva, melódica, ela vem certamente dos sets do Hernan Cattaneo e Digweed, e das produções do Eric Prydz e Sasha. Com o passar do tempo, eu entendi que minha essência era o que comandava, fui usando essas influências com as minhas raízes, buscando trazer um pouco mais dos ritmos e melodias do Brasil pra dentro da minha música. Se você observar os sons desses artistas, são bastante hipnóticos, melancólicos… eu queria colocar um pouco de “brasilidade” nisso... trazer pra minha música essas influências, mas queria que minha música mostrasse quem eu sou, da onde eu venho e qual é o meu país… eu sou brasileiro, amo futebol, tenho a ginga e o swing no meu sangue… talvez essa identidade e singularidade está na própria malandragem de ser brasileiro.

Demorei muito tempo para entender isso e conseguir transportar tudo pra música. Quando consegui... foi gol.

Quais são as suas inspirações e referências quando ZAC entra no estúdio?

Eu gosto de buscar inspirações em diversos lugares, sou influenciado facilmente quando gosto de algo. A inspiração às vezes vem da música, às vezes das pessoas, às vezes de uma festa que eu toquei ou até mesmo de uma melodia que surge na minha cabeça quando estou relaxado…

Ultimamente tenho produzido muito, não só no estúdio, mas na mesa da sala, no quarto, no sofá, no aeroporto, no avião...

Gosto de ouvir muitas músicas, sets, bandas como Baiana System e até mesmo músicas de meditação, coisas mais chill.

Um dos meus últimos lançamentos, a faixa “Ghandiez”, eu comecei com um sample de meditação, enquanto minha namorada e sogra assistiam o filme do Gandie.. é uma doideira, mas é assim que funciona as coisas na minha cabeça..

Quando estou no estúdio, gosto de trabalhar como uma banda, gravando takes dos synths, misturando coisas improváveis, gravando diversas vezes e depois escolhendo o que mais me deixa feliz.

Eu não sigo uma regra ou um jeito de fazer música.

O meu estado de espírito determina o que vai acontecer, se estou com vontade de produzir, simplesmente vou lá e faço. Nos últimos tempos tenho me sentido muito inspirado, agora mesmo posso parar de escrever e começar a fazer uma música.

"Arppyrei" é um ótimo exemplo de uma track muito forte e atemporal. A faixa tem sido tocada por DJs Brasil afora, dando ainda mais visibilidade para o seu trabalho. Como é fazer parte da expansão da música eletrônica brasileira ao redor do globo?

Essa faixa realmente mudou a minha vida e mais do que isso, a forma de pensar. Volto pra parte de misturar coisas improváveis.

Eu estou muito feliz em ser um dos brasileiros que tem suas faixas tocadas nas mais diversas partes do mundo. Ela é top 50 global há mais de um ano e o mais louco é que cada vez ela cresce mais, cada vez mais pessoas escutam e ela vai se espalhando ao redor do planeta.

Nossa cena aqui no Brasil ainda é muito jovem, muito imatura, e acredito que estamos nesse processo de evolução, expandindo e mostrando ao mundo que aqui não é só o país do carnaval. Pelo contrário, nosso país é um celeiro de bons produtores que com o tempo estão se tornando bons DJs.

Fazer parte desse grupo de artistas me deixa orgulhoso, feliz, porque eu sinto que a música está chegando com força, sem rosto, sem face, sem cor, sem sabor... simplesmente é música... as pessoas escutam e não sabem que eu sou... elas escutam porque a música é boa, porque mexe com as emoções e as fazem dançar.

Qual foi o momento mais épico e inesquecível que você viveu durante a sua trajetória?

São três coisas que me marcaram: tocar no inside do Warung no horário nobre e ter o set com mais de 100 mil plays; fazer o projeto Passioon ao lado do D-Nox e ser citado por ele como um dos melhores DJs que ele já tocou junto; e ser chamado para fechar a pista do Laroc depois do Boris.

Rapidamente, sobre o isolamento que vivemos, quem era Thiago Zacchi antes e depois da pandemia?

Thiago Zacchi era um artista em ascensão, que produzia muito e lutava todos os dias para conseguir seu lugar no sol, mas de certa maneira, um pouco individualista e egocêntrico. Eu acreditava que estava preparado, que podia ganhar o mundo com o que estava fazendo. Mas hoje depois de dois anos isolado, tenho certeza que estava errado. Eu achava que estava preparado, mas não estava... tecnicamente talvez sim, mas espiritualmente não.

Quando a pandemia chegou, eu vi minha agenda cair, todas as datas, eu vi o meu castelo de areia cair e ser dominado pelas águas do mar. Praticamente sumir.

Mas aí vem algo interessante. Logo no começo da pandemia, minha namorada, a Bibi, foi diagnosticada com câncer, tivemos que mudar de cidade para ir tratar, foi uma experiência única. Isso mudou muito as coisas na minha cabeça, porque estava ruim para mim que perdi todos os shows, imagina pra ela, que estava com risco de perder a vida?

Eu vi tudo de perto, enfrentei tudo de frente, aprendi muito. Comecei a ver a vida de outra maneira e isso foi crucial para estar onde estou hoje. Ela foi a pessoa que me mostrou o caminho que eu não conseguia enxergar, ela mostrou qual é o sentido da vida.

Thiago depois da pandemia é um produtor 10 vezes melhor, uma pessoa 10 vezes melhor, mais calmo, mais tranquilo, um ser humano que ainda carrega as cicatrizes das suas batalhas, mas que as vê como um grande aprendizado.

Durante a pandemia, virei professor, comecei a ensinar, dei mais de 90 aulas gratuitas, criei um método de trabalho, ajudei centenas de pessoas a ir em busca do sonho de ser artista e isso na verdade ajudou muito mais a mim do que os outros. Dar aulas ensina muito, você acaba aprendendo muito mais do que os alunos.

Criei minha própria gravadora, comecei a lançar meus alunos, a gravadora bombou… me reinventei, produzi pra caralho e trabalhei muito a espiritualidade.

Retornar aos palcos depois de tantos meses deve ser um momento único. Como você compara a emoção de subir aos palcos antes e agora “após” a pandemia?

Hoje está muito melhor, eu cresci muito durante a pandemia, as proporções são gigantes. Dois anos depois, meu público é maior, o número de fãs é bem superior a antes da pandemia e eu não sei explicar quais foram os motivos para isso acontecer, mas acredito que tenha sido a troca de energia com a galera, as lives de mais de cinco horas ensinando tudo que sabia.

Hoje o público está gigante, todas as festas vem dando sold out, então conseguir fazer toda essa gente feliz, fazer com eles dancem e se divirtam está sendo especial e motivador, é a melhor sensação que existe.

Algum desejo que você ainda sonha em conquistar.

Eu me sinto realizado, sabe, pra um menino humilde que saiu de uma cidade pequena. Já realizei os maiores sonhos, que era ser um DJ, viver da música, ajudar minha família, dar orgulho pra eles por ser quem eu sou.

Hoje o meu sonho é colaborar para que a cena no Brasil cresça ainda mais, para que o público e os produtores tenham mais educação, que o ouvido deles fique cada vez mais refinado. Eu sou um discípulo da boa música, sou filho do Warung, da música que é feita por amor e que isso está acima de tudo, inclusive das cifras financeiras.

Tenho realizado meus sonhos todos os dias vendo novas cidades me chamando pra tocar, clubes e festivais grandes confirmando meu nome e poder compartilhar isso com todos meus fãs, alunos e pessoas que admiram meu trabalho.

Minha família sente orgulho de mim, me admira e isso é tudo pra mim.