
Gabe All Night Long: os bastidores de uma das labels mais marcantes da cena eletrônica brasileira
Criado em 2018 a partir de uma noite despretensiosa em Curitiba, o Gabe All Night Long se transformou em um dos projetos mais consistentes e celebrados da cena eletrônica brasileira. A proposta é simples e, ao mesmo tempo, ambiciosa: uma noite inteira comandada por Gabe, sem interrupções, em sets expansivos que ultrapassam seis horas e conduzem a pista como uma verdadeira viagem sonora.
Ao longo de 2025, o ANL passou por cidades como Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Santos, Curitiba, Americana e Búzios, todas com ingressos esgotados, reafirmando a força de sua identidade e a conexão entre Gabe, os fãs e os novos talentos convidados para os warmups.
Prestes a encerrar esta temporada no icônico El Fortin, em Porto Belo/SC, no dia 04 de outubro, Gabe e seu manager, Axell, abrem os bastidores do projeto em uma conversa que revela desde os primeiros passos até os momentos mais marcantes.
Como a ideia do Gabe All Night Long foi tirada do papel e se transformou nesse projeto de turnê estruturado e com identidade própria?
AXELL: A turnê 'Gabe All Night Long' nasceu em 2018, de uma oportunidade que soubemos aproveitar. Eu estava começando a trabalhar com o Gabe como VJ e, durante uma apresentação em Curitiba, o contratante colocou despretensiosamente o nome do evento como 'Gabe All Night Long'. A experiência do Gabe tocar a noite toda foi tão irada que, dias depois, sugeri a ele que criássemos uma Label party com essa proposta. Eu me ofereci para ajudar a estruturar a idéia e tocar o projeto, desenvolver identidade e tudo mais, e em 2019 já demos o pontapé inicial.
Uma curiosidade interessante: Mesmo com minha experiência de 14 anos como VJ, minha primeira decisão para a festa foi exatamente não ter projeções visuais, focando em outros aspectos da experiência.
Como vocês dois desenham cada edição do projeto? Como é o processo de curadoria conjunta?
AXELL: Nosso processo começa com um estudo aprofundado de cada cidade, para entender a cena local e a relação do Gabe com o público. Queremos garantir que a experiência seja autêntica para cada lugar.
Na primeira turnê, o Gabe se envolveu ativamente na curadoria, buscando uma estética meio “cabaré com Mad Max”, com elementos industriais e uma iluminação específica. Foi uma mistura muito doida, e funcionou muito. Foi um conceito inovador na época.
A partir da segunda turnê, passei a liderar mais sozinho o processo. Eu ia tendo as ideias e as apresentava a ele para aprovação. O Gabe sempre me deu total liberdade criativa.
Quais foram os maiores desafios enfrentados até aqui — técnicos, criativos ou logísticos — para fazer o Gabe ANL acontecer da forma como vocês idealizaram?
GABE: Os maiores desafios são manter a consistência e a imersão do projeto em cada cidade.
Do ponto de vista logístico, o foco está na parceria com os produtores locais para garantir que a iluminação, a ambientação e a comunicação reflitam a essência do All Night Long, mesmo com as variações de cada local. Lembro de uma situação em que, na primeira turnê, tivemos que transportar equipamentos de iluminação únicos de São Paulo para o Rio e para Belo Horizonte. Para a edição do Rio, por conta de um atraso, conseguimos montar tudo apenas minutos antes da abertura.
Já no lado criativo, a missão é surpreender o público sem perder a identidade. Em 2023, o Axell trouxe um projeto visual com iluminação sequenciada e um palco mais imersivo. O ensaio fotográfico foi super complexo, levou dias. A Eli Iwasa nos salvou cedendo o CAOS para fazer as fotos lá. Tks Eli!
Na opinião de vocês, por que o conceito de uma noite inteira comandada por um único artista ainda é tão poderoso? Existe alguma história marcante que simbolize isso?
GABE: Na nossa opinião, o conceito de uma noite inteira com um único artista ainda é tão poderoso porque ele permite a criação de algo raro hoje: o tempo. A oportunidade de construir uma narrativa musical completa, sem interrupções, levando o público em uma viagem sonora que começa em um ponto e termina em um lugar completamente diferente. É uma conversa contínua entre o artista e a pista.
AXELL: Acho muito importante resgatar como a cena eletrônica funcionava antigamente e mostrar que tem como fazer uma noite funcionar com apenas dois DJs. Um "residente” (que hoje a gente traz como o artista que faz o Warm up e finaliza num B2B com o Gabe), e o headliner.
Lembro de uma noite na Anzu Club, durante o Carnaval, em que o DJ Kaskade, que seria a atração principal, atrasou por causa do mau tempo. O DJ residente, que tinha começado a noite teve que seguir horas a fio enquanto o gringo não chegava. O Kaskade só chegou para tocar às 6h30 da manhã, e a pista ainda estava socada.
Foi nessa noite que entendi o verdadeiro papel de um DJ: não é apenas tocar, mas sim construir, manter a energia da pista e, se preciso, salvar a noite. Para mim, o residente foi o verdadeiro destaque, mostrando que a habilidade de conduzir a experiência é o que realmente importa.
Teve alguma edição, decisão ou acontecimento específico que vocês consideram como ponto de virada para o Gabe ANL?
GABE: Creio que a edição da Fabriketa, em São Paulo, foi o grande ponto de virada.
Quase 3 mil pessoas embarcaram na viagem do início ao fim, e a energia era tão intensa que, em certo momento, parecia que todo mundo respirava no mesmo compasso.
Foi ali que percebemos, de forma definitiva, que o All Night Long tinha se consolidado como experiência e não apenas como um formato de set e que o público estava disposto a viver essa entrega total junto com a gente.
Nesta temporada, tivemos vários DJs da nova geração fazendo os warmups da festa e também interagindo com o Gabe na cabine. Como foi a escolha destes artistas?
GABE: A escolha dos DJs da nova geração para os warm ups parte sempre de um princípio: identidade e sintonia com o espírito do All Night Long. Muitos DJs dessa nova geração não viveram a época em que era obrigatório saber fazer um warm up e conduzir uma noite. Não basta ter técnica ou estar em evidência!
Buscamos artistas que entendam a importância do warm up como construção, preparando o terreno com cuidado e sem pressa, criando a tensão certa pro momento em que eu assumo.
Também valorizamos aqueles que trazem algo próprio, que acrescentam personalidade à noite e, ao mesmo tempo, conversem com a narrativa que queremos contar. Quando a química é boa, rolam interações espontâneas na cabine, como B2Bs de surpresa, que só fortalecem a energia da festa.
E quão importante é usar o ANL como plataforma para valorizar talentos da nova geração?
GABE: É muito importante! O ANL acaba sendo uma via de mão dupla: pra eles, é visibilidade num palco onde o público está disposto a ouvir, descobrir e se conectar; pra mim, é a chance de me aproximar dessa energia nova, de ideias frescas e perspectivas diferentes sobre a música.
Como a relação pessoal e profissional entre Gabe e Axell influencia diretamente o projeto? Existe uma divisão clara de papéis ou os dois participam de todas as decisões?
GABE: Nossa relação é de confiança total e isso é a base do All Night Long.
O Axell comanda cada etapa da produção com maestria, cuidando de detalhes que vão muito além da música, e eu tenho plena segurança de que ele vai entregar tudo no mais alto nível.
Não existe divisão rígida de papéis: participamos juntos das decisões, mas confiamos tanto um no outro que cada um pode assumir o comando quando necessário. Essa parceria fluida e alinhada é o que mantém o projeto coeso e forte, dentro e fora da pista.
Existe o desejo de expandir o projeto para fora do Brasil. Que aprendizados e desafios vocês veem nesse caminho? Já existem planos em andamento?
GABE: Sim, queremos levar o All Night Long pra fora do Brasil, mas é um passo que pede estratégia e respeito às cenas locais.
Cada país tem sua própria cultura de pista, seus horários, seus rituais, e a produção precisa se adaptar a isso sem perder a essência do ANL.
O maior aprendizado é que não existe “copiar e colar”. É preciso criar a mesma imersão que temos aqui, mas conversando com a identidade de cada lugar.
O Axell já está estudando novas possibilidades com players fora do Brasil para 2026 sempre com o cuidado de que essa expansão tem que ser orgânica, mantendo o DNA que fez o projeto dar certo no Brasil.
E como vocês escolhem as cidades brasileiras? Há algo em comum entre os lugares que recebem o Gabe ANL? Alguma vibe específica que vocês buscam?
AXELL: A escolha das cidades vai além do tamanho ou popularidade da cena local. Buscamos principalmente uma vibe específica: um público já familiarizado com o artista, e que esteja aberto a uma experiência de longa duração. Queremos lugares onde sabemos que a pista vai se conectar e embarcar na jornada do início ao fim.
Estamos sempre atentos a praças onde a cena está aquecida, e mantemos contato com produtores locais interessados em levar a label. Tivemos, por exemplo, uma ótima experiência em Santos, onde o produtor local insistiu para realizar o evento fora da proposta que temos buscado ( dentro de clubs ) e acabamos superando as expectativas, reunindo um público expressivo para a cidade. O que nos move é encontrar o momento e o parceiro certos para garantir que a experiência seja autêntica e bem-sucedida.
O público é parte essencial da atmosfera, e o Gabe ANL tem uma base fiel de fãs. Como vocês explicam esse nível de conexão? O que o projeto desperta nas pessoas que o torna tão especial?
GABE: O All Night Long desperta um senso de pertencimento muito forte.
Não é só ir a uma festa. É viver horas de música como parte de uma história que está sendo escrita ali, em tempo real, com todo mundo no mesmo flow.
A cada edição, a galera percebe que nada é repetido. O set, a energia, os momentos são exclusivos daquela noite. Isso cria uma memória coletiva, algo que só quem esteve lá entende de verdade.
Essa singularidade faz com que o público volte, porque sabe que cada ANL é único.
O Gabe All Night Long exige entrega total — física, criativa, emocional e logística. Quais foram os principais aprendizados para vocês, profissionalmente e pessoalmente?
GABE: O All Night Long ensinou muito sobre resistência, foco e equilíbrio.
Profissionalmente, aprendemos a importância do planejamento extremo, de nos antecipar aos problemas com as soluções, e ao mesmo tempo, estar prontos para improvisar quando a pista pede um rumo diferente. É um exercício constante de entender o que a pista quer e manter a energia viva por horas.
Pessoalmente falando, ficou claro que cuidar de mim fora da pista é tão importante quanto dentro dela. Dormir bem, cuidar da saúde, alimentação, tudo influencia no resultado.
Também aprendi a valorizar ainda mais o trabalho em equipe: ninguém faz o Gabe All Night Long sozinho. Esse flow entre eu, meu time e com o público é o que sustenta a entrega total do projeto.
Como vocês avaliam o primeiro semestre de 2025 para o Gabe All Night Long? Conte um pouco sobre cada edição.
AXELL: O primeiro semestre de 2025 foi um período de grande sucesso e uma mudança estratégica para o projeto "Gabe All Night Long". A principal decisão foi levar o evento para dentro de clubs, em vez de continuar com grandes produções. Essa escolha permitiu criar uma experiência mais imersiva e íntima, ao mesmo tempo em que tornou o projeto mais viável e contribuiu para o fortalecimento da cena club, que se encontra retraída.
O resultado foi extremamente positivo, com edições sold outs em todas as cidades que passamos. Houve um sucesso histórico no Rio de Janeiro e uma grande resposta do público em Campinas e Ribeirão Preto, onde a experiência em clube permitiu um aprofundamento da narrativa musical. O projeto demonstrou sua versatilidade ao se adaptar, como na edição de Curitiba, onde o Gabe se apresentou em um espaço menor e mais intimista, e também em Santos, onde a equipe enfrentou e superou o desafio de uma mudança de local de última hora, com um resultado que superou as expectativas.
Quantas edições da Gabe ANL teremos ainda em 2025? E o que podemos esperar do futuro do Gabe All Night Long?
AXELL: Em 2025 encerraremos o ano com 8 edições.
Fizemos no Rio de Janeiro ( D-Edge ), Campinas ( Caos ), Santos, Curitiba ( Club Vibe), Ribeirão Preto ( Evva Club ), Americana ( Royal Garden ), Búzios ( Privilège ) e vamos encerrar no El Fortin em outubro.
Para 2026, posso dizer que o público pode esperar por um ano com mais edições do que em 2025.
Gabe, tocar por tantas horas seguidas exige não só preparo técnico, mas também emocional e criativo. Como você se prepara para esse tipo de entrega?
GABE: Para encarar um All Night Long, eu preciso estar alinhado por completo. Corpo, mente e criatividade.
A parte física e descanso são essenciais para manter a energia por tantas horas. No mental, entro num estado de foco total antes de subir ao palco, mas deixo espaço para improviso, porque a pista às vezes me dá uma direção diferente de onde ir.
Criativamente, preparo um mapa mental de possibilidades, não um set engessado. É como ter várias rotas na cabeça e decidir o caminho junto com o público.
Essa mistura de preparo e liberdade é o que me permite manter a intensidade e contar a história do começo ao fim sem perder o fôlego nem deixar a pista perder o dela.
O Gabe ANL te permite uma liberdade artística rara. De que forma esse formato mudou sua relação com a pista, com a construção de set e até com o seu processo criativo?
GABE: O All Night Long mudou tudo na minha relação com a pista.
Em um set curto, você tem que escolher rápido o que mostrar; no ANL, posso construir a história com calma, criar atmosferas, explorar nuances e arriscar mais. Essa liberdade abre espaço pra testar sons novos, revisitar clássicos e conectar pontos que, num formato tradicional, talvez nunca se encontrassem.
Com o tempo, percebi que o processo criativo também mudou: comecei a pensar menos em “faixas isoladas” e mais em “narrativas”. Cada música vira parte de um capítulo, e a pista se transforma num parceiro ativo nessa construção.
No fim, o ANL me ensinou a ouvir ainda mais o público e a entender que a verdadeira mágica está no tempo que passamos juntos, evoluindo no mesmo pulso.
Você sente que a conexão com o público é diferente em um set All Night Long? Tem algo que só acontece quando você se apresenta neste formato?
GABE: Totalmente. Num All Night Long, o tempo constrói uma intimidade que sets curtos não permitem. A energia vai crescendo de forma natural até que a pista e eu estamos tão conectados que parece que todo mundo respira no mesmo compasso.
É uma conexão tão intensa que, quando a última música acaba, fica a certeza: aquilo não vai se repetir e só quem viveu sabe exatamente como foi.
Axell, você acompanha o Gabe de perto há anos, mas o ANL parece ter criado uma nova camada nessa relação. Como essa experiência te transformou como profissional e como parceiro de criação?
AXELL: Minha jornada ao lado do Gabriel foi lenta e despretensiosa. Fui conquistando espaço aos poucos, abraçando cada ideia que surgia. Acabei me tornando manager dele sem querer. Quando percebi, já estava no cargo
Acredito que eu sou um bom líder. Tenho muito essa coisa de ser um time, uma família. Não gosto de centralizar. Gosto de dar autonomia, e deixar que cada um brilhe com seu cargo. Sempre que sinto necessidade de uma pessoa para uma função específica, vou atrás dessa pessoa, e deixo que ela faça o trabalho dela, somando para o time de forma geral.
O que mais te impressiona no Gabe quando ele está no comando da pista por tantas horas?
AXELL: A parada é que a admiração pelo Gabe vai muito além das horas que ele passa na pista. Eu sou fã do cara, sabe? Não só como DJ e produtor, e sim como pessoa, pai, ser humano também.
O ANL só reforçou essa parceria. Sou grato demais pela confiança dele em me deixar tocar esse projeto.
Para finalizar, como você enxerga o desafio de transformar um projeto autoral e artístico como o Gabe ANL em algo sustentável, escalável e consistente ao longo do tempo?
AXELL: O grande desafio de transformar um projeto autoral como o Gabe ANL em algo sustentável e escalável está em equilibrar a essência artística com a necessidade de estrutura e consistência. O projeto nasceu de forma orgânica, totalmente conectada à identidade e à energia do Gabe, e o cuidado para que essa autenticidade não se perca é constante.
Nosso foco tem sido construir bases sólidas: compreender o mercado, respeitar a história de cada praça, aprender com cada edição e, acima de tudo, preservar a autenticidade do que o Gabe entrega na pista. Isso envolve ajustes de logística, comunicação e até de aspectos técnicos, mas sempre sem abrir mão do que torna o projeto único.
A sustentabilidade e a escalabilidade do Gabe ANL são resultados de um processo consistente, feito passo a passo. Não se trata de crescer a qualquer custo, mas sim de crescer com propósito — mantendo a identidade e reforçando a confiança que o público já deposita no projeto.
Imagem de capa: Divulgação/ Guilherme Oliveira
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