Entrevistas

Entrevistamos Roland Leesker, DJ, produtor e uma das mentes criativas da Get Physical

Com a paixão motivada precocemente pela mãe, há exatos 33 anos Roland Leesker dissipa mundialmente a música eletrônica, se colocando como uma das lendas vivas que podemos usufruir do privilégio de constantes lançamentos. Recentemente, o alemão lançou o compilado "Haus Musik" , com sua faixa original, acompanhada por duas versões: uma de Terrence Parker e outra de K-Alexi Shelby , outras duas lendas do House.

Trocamos figurinhas com Roland Leesker, que nos deu mais detalhes sobre a carreira como DJ, produtor, a atuação frente à direção do tradicional selo Get Physical Music e sua profunda relação com o Brasil. Confira:

Olá Roland, é um prazer imensurável. Sou da geração de noventistas que nasceram embalados pelas sonoridades que você já dissipava mundo afora. Como foi atuar colaborando diretamente para essa estabelecida cena que a música eletrônica se encontra?

O prazer é todo meu, obrigado por esta entrevista! Quando eu tinha cerca de 16 anos comecei a entrar no Hip Hop e House Music. Nossa situação familiar era complicada na época e a primeira vez que fui a uma festa “High Energy” me senti salvo, feliz e aceito. Esse novo tipo de música tornou-se uma forma de escapar dos problemas da vida cotidiana. Um porto seguro, por assim dizer. Eu me conectei com amantes da música na minha área e começamos a trabalhar juntos, criando o que achávamos que precisaríamos, produzindo nossas próprias primeiras faixas, organizando nossas primeiras noites de clube, tentando encontrar os melhores novos discos, todos os dias. Tudo era um novo universo do qual me tornei parte inconscientemente e um tempo mágico.

Em uma entrevista anterior, você comentou uma frase muito poderosa da sua mãe, que afirmou que a música nunca te decepcionaria. Ao longo dos seus 33 anos, ela foi comprovada? De quais formas?

Sim, com certeza. A música me ajuda todos os dias. Durante a pandemia, por exemplo, a música foi minha principal fonte de energia positiva e motivação e também me manteve ocupado e conectado com todos os meus amigos internacionais. Lembro-me da situação em que minha mãe mencionou essa sabedoria para mim como se fosse ontem. Ela era, de certa forma, uma “artista frustrada”. Sua primeira profissão foi a de ourives, ela também era pintora, violonista e adorava dançar e cantar também. No entanto, ela foi educada para ser uma “boa dona de casa” de uma maneira muito católica, conservadora e tradicional. Por isso, infelizmente, ela parou de trabalhar como ourives quando estava prestes a ter seu primeiro filho. Esse conflito de interesses e outros assuntos a fizeram sofrer muito, tanto física quanto mentalmente. A música e a pintura eram sua forma de se expressar de maneira única, era um remédio para sua alma. Sou muito grato que ela e meu pai promoveram meu interesse pela música e pelas artes desde muito cedo e estou muito feliz com a maneira como minha vida se desenvolveu através da minha paixão por isso.

Assista aqui a live de Leesker para o Warung Beach Club diretamente da Croácia.

E afinal de contas, o que nutre essa mente tão brilhante? Conte-nos o que você tem assistido, lido, e principalmente, escutado!

Quando eu era mais jovem, estudei literalmente todos os textos que encontrei sobre economia e empreendedorismo. Hoje em dia procuro aprender mais sobre as artes e filosofias asiáticas, especialmente o budismo, o conceito japonês de Wabi-sabi e a prática do Kung Fu. O último livro que me impressionou profundamente é “The Book Of Joy” de Desmond Tutu e "Sua Santidade" por Dalai Lama. A infinita compaixão desses homens que falam através de cada palavra neste livro é inacreditável! Em termos musicais estou a ouvir em repetição o novo álbum do Nu Azeite: “Vem Pro Mar”.

O ato de gerar faixas que atravessam décadas e não enjoam ou perdem a graça pelas pistas é uma habilidade muito poderosa e você é um grande fornecedor. Quais os pilares que você acredita que te guiaram para alcançar esse feito?

Acho que é apenas a quintessência de toda a música que absorvi até agora. O engraçado é que eu realmente produzi minhas primeiras faixas no início dos anos 90 - meu primeiro disco lançado oficialmente foi produzido junto com Ricardo Villalobos em 1995, você ainda pode encontrar o vinil no Discogs sob o apelido R+R - “L´essentiel” - mas apenas recentemente comecei a me sentir confiante e inspirado o suficiente para lançar novas músicas novamente. Eu não faço muitos lançamentos, mas se eu faço eu coloco tudo o que tenho nisso.

Inclusive em “Haus Musik” você acaba de entregar um hino fresquinho para as pistas, acompanhado de duas versões, assinadas por duas lendas. Terrence Parker e K-Alexi Shelby. O que você pensou para o seu primeiro lançamento de 2022? Como escolheu os colaboradores?

O tipo de faixa que eu tinha em mente como inspiração para “Haus Musik” era “I´ll House You” dos Jungle Brothers. Eu quero que minha música seja muito enérgica e poderosa, também um pouco sexy e áspera: ela deve fazer você se mexer! Ao K-Alexi fui ligado pelo nosso amigo em comum DJ Pierre, que sugeriu trabalharmos juntos. O remix de Terrence Parker foi uma dessas coisas que simplesmente aconteceram por forças superiores: ele nos escreveu um e-mail através da nossa página Get Physical Music no bandcamp, gentilmente solicitando para samplear um de nossos autorais. Eu lhe respondi, dizendo o quanto eu amo seu trabalho e que ele poderia usar esse sample que estava pedindo gratuitamente.

Ele estava feliz, e no dia seguinte eu pensei que seria incrível se ele remixasse “Haus Musik", já que seu ofício é a definição de House music. Eu estava um pouco relutante em enviar para ele para ser honesto, mas ele disse “sim” imediatamente e me enviou sua produção de remix alguns dias depois. Ele nem mesmo pediu nenhum pagamento ou royalties. Ambos os remixadores são gentis e genuinamente movidos pela música. Em geral, acho muito inspirador trabalhar com artistas que têm sua própria definição do que estão fazendo. Artistas que nunca desistem, sempre tentando melhorar suas habilidades sem caçar dinheiro rápido ou fama, usando a música como resposta.

Seu trabalho na direção da Get Physical é primoroso, mas como você resumiria a sua atuação aos ouvintes que não são habituados ao dia a dia de uma gravadora?

Nós lançamos principalmente dance music, claro, mas pode ser qualquer outra coisa do universo da música eletrônica, desde que gostemos dela e do(s) ser(es) humano(s) por trás dela. Meu objetivo pessoal ao liderar nosso selo no futuro é sempre descobrir, lançar e conectar artistas empolgantes de diferentes culturas de todo o mundo. Acho isso um aspecto muito satisfatório de trabalhar com música eletrônica, que realmente funciona como uma língua universalmente falada.

Você está em tour pelo Brasil, passando desde Camboriú (SC) até Manaus (AM). Como foram suas gigs até agora?

Sem palavras! Muito amor e respeito por todo mundo que (ainda) está fazendo isso!

Inclusive, sua relação com o Brasil já é de longa data, não é mesmo? Contextualiza para nós como ela se deu e como você se "apaixonou" pelo país.

A primeira vez que fui convidado para vir ao Brasil foi para falar na Brazil Music Conference no Rio. Após a conferência houve uma festa no clube “Zero Zero”, e me pediram para tocar alguns discos. Inspirado pela energia intensa do Rio, a praia e seu povo maravilhoso, acabou sendo um dos meus melhores sets de todos os tempos. O resto é história: cheguei como Gringo e saí de Carioca kkkkkk!

Dá orgulho em ver seu relacionamento com o Leo Janeiro, que resultou na Cocada (uma ramificação da Get Physical no Brasil). Como rolou essa aproximação?

Iniciamos essa jornada com uma coletânea chamada “Brazil Gets Physical”, que teve curadoria e mixagem de Davis. No processo de lançamento deste projeto, percebemos o vasto potencial da próxima cena da música eletrônica brasileira. Tínhamos o desejo de transformá-lo em algo com mais substância, impulsionado de dentro do Brasil por brasileiros, expandindo também para todos os outros aspectos, como arte, merchandising, promoção, distribuição de música e eventos. Claudio R. Miranda, Leo e eu estávamos em um painel de discussão no BRMC onde essa ideia foi mencionada publicamente pela primeira vez. O público meio que nos levou nessa direção com as perguntas que eles tinham para nós naquele dia. Claudinho também teve a ideia do nosso nome: Cocada Music!

Por fim, nada mais justo do que perguntar quais as projeções para manter esse relacionamento verde e amarelo acalorado. O que você tem de novidades pela frente? Valeu pelo papo, Roland!

A Cocada Music já tem um perfil claramente definido e uma turma fantástica de artistas e membros da equipe que estão conosco! Com (para citar apenas alguns) Bernado Campos, Bruce Leroys, Fatnotronic, From House To Disco, Mary Olivetti, Mezomo, Nu Azeite, Stanccione e, claro, Leo Janeiro como músicos e DJs, Paula Illes pela direção de arte, Alliance Artists para reservas e suporte de turnê, Get Digital para gerenciamento e distribuição da label, Claudia Assef, Alataj e Dispersion PR de Londres para suporte em comunicação e promoção e muito mais pessoas nos bastidores, ajudando-nos a crescer.

Continuaremos trabalhando para aumentar nossa rede de distribuição, promoção e marketing no Brasil e no resto do mundo. Como não existem redes underground reais em nível global que entendam o que fazemos, vamos criar as nossas próprias para dar aos nossos artistas uma plataforma forte e influente para apresentar a arte que eles gostariam de criar.

Pessoalmente, eu acharia muito satisfatório se pudéssemos também acrescentar algumas pérolas reeditadas da riquíssima história da Música Popular Brasileira ao nosso trabalho e reintroduzi-las para uma nova geração.

Imagem de capa: crédito - Edith Bergfors.
Roland Leesker:
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