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Coluna da lisa #7: não é só dar o play – a diferença entre o vinil e o streaming

No meu aniversário, me dei de presente um toca-discos. Desde o ano passado – quando presenciei inúmeros sets vinyl only durante minha estadia em Barcelona – senti que o consumo de música via streaming não me satisfazia por completo. Pausar, pular de música, trocar de EP, ouvir inúmeras playlists, por mais contraditório que pareça, era pouco. Faltava algo. Um toque, um sentimento ou uma emoção a mais; eu só não sabia o que era.

Sou millennial. Para mim, as fitas k7 sempre foram relíquias. Quando era criança, lembro dos meus pais colocando CDs para tocar durante viagens de carro, e eu sentada no banco de trás. Já na pré-adolescência os iPods vieram à tona e pela primeira vez na vida eu poderia colocar fones de ouvido e ouvir minhas próprias músicas (majoritariamente Pop dos anos 2000) e não mais os CDs do Tim Maia, Lisa Stanfield e Madonna que meus pais cantarolavam durante horas, no repeat infinito. Acho válida a observação que ao crescer, no entanto, tomei mais gosto pelos anos 70, 80 e 90 do que pelas músicas atuais.

Nos últimos 5 anos, música eletrônica virou meu gênero favorito. Independente da hora e do momento, alguma vertente sempre encaixa como luva no contexto. Minha trajetória musical foi do mainstream ao underground. Passei pelo EDM, trance, brazilian bass, hard techno, progressive house, Detroit house, e atualmente estou na minha fase minimal e electro dos anos 90. Mas essa farofa toda de vertentes e BPMs foi acompanhada, lado a lado, de uma pesquisa musical – agradeço aos amigos de longa e curta data que me apresentaram tantos artistas, sets e tracks novas, ajudando a aprofundar minha pesquisa.

E aí algo de interessante aconteceu. Eu pesquisava uma música ou um EP no Spotify e não encontrava. Pesquisava a mesma coisa no SoundCloud e achava uma versão em baixa qualidade ou só um preview. Já as faixas que eu mais ansiava ouvir na versão original eram aquelas no meio do set do Ricardo Villalobos, Sonja Moonear, DJ Koolt, Leo Poll (entre muitos outros artistas), impossíveis de serem puxadas pelo Shazam. O Youtube caiu como uma benção nessa trajetória de pesquisa musical, pela amplitude inimaginável de música disponível – mas confesso que essa mesma amplitude pode atrapalhar quando não se sabe direito o que está procurando (além das propagandas… chatíssimas!).

Essa busca difícil – porém prazerosa – é para consumo próprio. Principalmente em momentos de pandemia, com todos os clubs fechados e festas canceladas, a pista de dança virou o tapete do chão e o local: meu quarto. O resultado de tudo isso, em suma, foi que colocar o celular no bluetooth da caixa de som não era o suficiente para satisfazer minha sede de música nova.

Faltava algo. Faltava um tesão em consumir aquelas músicas disponíveis no streaming. Não pela música em si, mas pelas plataformas. A pesquisa musical só aumentou a minha percepção de que o streaming não era suficiente. Chamei meu amigo Rodrigo Ferrari, grande entendedor da arte de tocar no vinil, e ele me recomendou um toca-discos com qualidade e que caberia no bolso de uma estagiária.

O equipamento chegou. Peguei alguns discos do meu pai, empoeirados, guardados no armário por, pelo menos, 30 anos. Eram majoritariamente de rock dos anos 70 ou 80… relíquias! Botei um dos vinis para tocar. E nesse exato momento, entendi tudo.

Entendi a graça do toca discos.Entendi o charme do vinil.Entendi a existência de um ritual.Colocar, ajustar, ouvir, virar, ouvir, escolher, tirar, trocar, guardar – e repeat.E isso, só o físico tem.

No Spotify, por exemplo, entramos em uma playlist e colocamos o play. Procuramos o nome de um artista e colocamos play. Digitamos o nome da música e colocamos play. O processo é muito mais simplificado e dinâmico, adequado ao ritmo acelerado da sociedade em que vivemos.

É inegável que o streaming ajudou a democratizar o consumo de música em larga escala. Com alguns cliques, podemos ouvir gratuitamente milhões de músicas diferentes. Além disso, a base de dados fornecidas sobre o alcance, número de plays, repeats por música, ouvintes semanais (entre outros KPIs) ajuda os artistas e suas equipes a se planejarem melhor, entenderem o contexto atual e gerenciarem carreiras com mais precisão do que nunca.

Mas o físico tem algo que o digital não tem. Como os quesitos sensoriais: tocar em um vinil e sentir o cheiro da capa do EP (aquele cheiro de coisa velha ou coisa nova, igual aos livros); como o cuidado no processo que envolve colocar um disco para tocar: tirar e colocar na capa, prestar atenção se a agulha está no ponto certo, deixar o local higienizado e manusear com carinho. No mundo físico, uma poeira ou o pelo de um gato pode atrapalhar a rotação do disco.

Como o vinil é caro – principalmente quando se compra em quantidade – a escolha do disco é essencial. É necessário ouvir o vinil algumas vezes para ver se vale a pena – ou não – comprá-lo ou pegar listas de amigos e artistas que estão vendendo exemplares, ouvir tudo para, no fim, selecionar o(s) que mais gostou.

Alguns dias atrás ganhei de presente alguns discos do Rodrigo, junto com uma bolsa da Technics (minha primeira bag de discos, by the way ) e me emocionei. Desde o declínio dos CDs, o ato de dar uma música como presente foi deixado de lado. Com um vinil isso se torna possível: presentear com música alguém que ama música.

Por fim, a conexão entre gerações faz do vinil uma máquina do tempo e um objeto com forte vínculo social. Hoje escuto os mesmos discos que meu pai escutava em 1970, e sinto que isso me faz conhecer a história do meu pai mais profundamente. Existe um pedaço dele naqueles vinis. Também conversei horas com minha tia sobre os discos que tenho (que eram os favoritos dela durante sua juventude) e iremos colocá-los para tocar durante o Natal – aliás, nada como uma reunião familiar com música boa.

Físico ou virtual, ambos estão ao nosso alcance. Todos têm seus aspectos positivos enegativos socialmente, economicamente e psicologicamente falando… mas admito que o vinil é a cereja do bolo que faltava para o consumo de música ficar mais sensível, humano e sentimental.

Afinal, não é só dar o play.