Coluna do Zumbi #1: levantamento evidencia ausência de pretos no casting de artistas da cena eletrônica brasileira
Responda rápido: quantos DJs/produtores pretos da cena eletrônica nacional você conhece? Talvez 2, 1 ou nenhum. Essa realidade é triste, mas comum e está presente em diferentes setores da sociedade brasileira. Fato é que toda vez que entro em qualquer ambiente reparo se as pessoas pretas estão se divertindo ou trabalhando, e se estão trabalhando, em que cargos estão.
A indústria brasileira de música eletrônica tem apenas 2,46% de artistas pretos no casting das principais agências de DJs/produtores, por outro lado, os funcionários terceirizados que possuem longas escalas de trabalho são na maioria pretos. É um dado que evidencia a discrepância devido um problema antigo e latente do nosso país ocasionado pelo racismo estrutural. É importante colocar luz sobre o tema para que nossa indústria consiga encontrar mecanismos que promovam uma integração social como a música sempre fez ao longo da história.
A causa vidas negras importam ocupou os principais noticiários durante os últimos meses sendo abraçada por personalidades da cena que publicaram nas redes sociais a hashtag #blacklivesmatter em solidariedade a luta contra o racismo. Mesmo com boas intenções a atitude atrapalhou o objetivo final da hahstag que era facilitar a localização das denúncias sobre abuso policial. Com tantas publicações o trabalho ficou difícil.
Infelizmente isso não é suficiente pra evitar os reflexos das injustiças sociais provocadas pela ausência de políticas públicas. Por outro lado, novamente a música demonstrou um poder de união entre as diferenças. Ainda assim, somente 4 DJs/produtores de 162 são pretos. A análise levou em consideração artistas que compõem as agências DM7, Entourage e Plusnetwork. O spotify apresenta um panorama pior com apenas 1 entre os 100 artistas mais escutados da cena trance, segundo levantamento realizado pela Hi BPM.
São diferentes situações de um país cujas inúmeras dificuldades impedem o preto de acender socialmente, seja qual for o setor da sociedade. A desproporcionalidade também está presente entre o público da cena. Entre tantos festivais, percebi isso com nitidez durante o Universo Paralello. Neste ano, pela segunda vez no evento, constatei que a maioria dos servidores que realizam trabalhos como a limpeza e higienização dos banheiros, segurança, bares e carregamento de peso são pretos. O público que se diverte é de maioria branca. Entre eles é quase impossível encontrar um africano, mas sobram europeus.
Todo ativismo possui relevância própria! Mas antes de tudo é preciso reconhecer a origem da realidade de cada um e utilizar os espaços para romper as barreiras do manifesto criando condições adequadas para desenvolvimento justo. A nossa indústria é isenta de culpas, mas temos que assumir responsabilidades sociais assim como todos outros setores para que possamos contribuir com mais oportunidades para que os talentos pretos mal lapidados apareçam!
Sobre o autor
Renan Fernandes
28 anos, fotógrafo e jornalista que fala sobre política, sociologia, filosofia e música.