Todo mundo está acostumado a ver monstros da música eletrônica subirem ao main stage e comandar multidões de fãs enlouquecidos pela vibe do festival. Mas você já parou pra pensar quantas DJs mulheres já tiveram a oportunidade de se apresentar no palco principal de uma festa? Ou pelo menos já percebeu que o line-up sempre contempla vários DJs homens? Se não tinha caído a ficha sobre isso antes, melhor refletir.
Recentemente veio em pauta a criação de um espaço voltado só pra mulheres no Glastonbury, a organização de um festival somente pra mulheres e a meta para igualdade de gêneros nos festivais até 2022. Todas essas situações indicam que algo não está 100% legal na cena: embora a presença feminina tenha crescido (e muito) na produção musical, ainda falta algo. Mas o que será?
As mulheres têm sido bem pouco representadas no cenário da música eletrônica, tanto no Brasil quanto em outros países, e mesmo nas diversas vertentes e estilos. A verdade é que quase ninguém percebe a ausência feminina nos line-ups dos grandes festivais internacionais. Mas isso não é peculiaridade só dos gringos.
Pesquisei os principais festivais que rolaram no Brasil no ano de 2017 e decidi investigar os artistas escalados em cada um deles. É preciso lembrar que está listada a diferença dos números entre DJs mulheres e homens que se apresentaram em cada festa, ressaltando que foram contadas as performances solo ou as atrações que incluem pelo menos um membro feminino.
Observem os dados:
Dekmantel São Paulo (04, 05/02):
4 palcos – 55 artistas – 12 mulheres: Nina Kraviz; Fatima Yamaha; Helena Hauff; Dasha Rush; Veronica Vasicka; Lena Wilikens; Shanti Celeste; Aurora Halal; Sassy J; Valesuchi; Luisa Puterman; Cashu.
Lollapalooza (25, 26/03):
4 palcos – 47 artistas, sendo 16 DJs -
1 mulher no Palco de Música Eletrônica: Nervo /
8 mulheres nos demais palcos.
Warung Day Festival Paraná (08/04):
3 palcos – 21 artistas – 4 mulheres: Eli Iwasa; Aninha; Anna; Nicole Moudaber.
Electric Zoo Brasil (21/04):
3 palcos – 30 artistas – 1 mulher: Anna.
Playground Music Festival São Paulo (15/07):
4 palcos – 76 artistas – 6 mulheres: Reality Test; Daniella Alcantara; Gaab; Flow & Zeo; Bruna Monteiro & Mario Zan; Jack Novak.
Só Track Boa Festival São Paulo (06/09):
2 palcos – 19 artistas – 0 mulheres.
Rock in Rio (15, 16, 17, 21, 22, 23, 23/09):
5 palcos – 145 artistas, sendo 41 DJs -
5 Mulheres no palco de Música Eletrônica: The Black Madonna; Groove Delight; Flow & Zeo; Maya Jane Coles; Iao /
25 mulheres nos demais palcos.
Federal Music Festival (07/10):
2 palcos – 25 artistas – 3 mulheres: Nora em Pure; Ashibah; Ellie Klotz.
Ultra Music Festival Brasil (12, 13, 14/10):
3 palcos – 78 artistas – 6 mulheres: Blancah; Morganna b2b Alex Justino; Leo Janeiro b2b Eli Iwasa; Flow & Zeo; Ellie Klotz; Naah Ferraz
Xxxperience São Paulo (11/11):
4 palcos – 51 artistas – 5 mulheres: Groove Delight b2b Gustavo Mota; Anna; Devochka; Pink up; Special M.
King Festival (18/11):
2 palcos – 22 artistas – 1 mulher: Altruism.
Elrow São Paulo (02/12):
1 palco – 7 artistas – 0 mulheres.
O que percebi? Entre as DJs mulheres não há muita diversidade, os nomes se repetem. Além disso, nenhuma delas apareceu como destaque do palco ou do festival. Será que existem poucas mulheres que produzem e discotecam por aqui e lá fora? Claro que não, né!
Há ainda um grande preconceito quando uma mulher atua numa área predominantemente masculina, seja em qualquer profissão. Uma ideia (boba, é claro) de alguns é de que não existe a mesma competência entre os gêneros no mercado de trabalho, ou seja, falta credibilidade para as mulheres. Desta forma, elas precisam provar seu valor e passam por maiores dificuldades ao longo da carreira, ou pelo menos na tentativa de construí-la. A gente sabe que uma hora chega a canseira de tanto tentar. Isso é só mais um dos obstáculos que elas enfrentam.
Acho bem chato quando consideram que o papel da mulher é apenas na plateia curtindo. Ou que não há interesse feminino em aprender a produzir. Em pleno século 21 ainda existem pessoas (e na maioria, homens) que duvidam da capacidade de uma menina nas pick ups, de sua criatividade e feeling para produção musical, de sua forte presença de palco, de sua inteligência e manuseio das tecnologias, entre mil outras coisas.
O que podemos fazer para tentar mudar esse cenário? Deve partir uma iniciativa da indústria ou do público?
Não posso responder essas perguntas. Mas sei que há necessidade de maior espaço para a presença feminina. Afinal, é preciso aparecer para ser reconhecido.
Sobre o autor
Vitória Zane
Editora-chefe da Play BPM. Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música eletrônica <3