A música está presente em todos os lugares, fazendo parte do nosso cotidiano e marcando nossa vida. Ela é capaz de influenciar nosso comportamento. Quem nunca dançou no provador de uma loja enquanto experimentava roupas? Ou nem viu o tempo passar com a canção que ouvia na linha de espera do telefone ou no elevador? Então vale refletir: podemos associar a arte da música com a ciência? Sim. Estudos provam que o poder da música exerce influência sobre quem a ouve.
A música, quando escutada, ativa várias áreas do cérebro, pois é uma forma de linguagem que impulsiona regiões cerebrais relacionadas à memória e aos sentidos. O processamento musical pelo cérebro possui três etapas: percepção musical, reconhecimento, e emoção; as quais acontecem no córtex cerebral (por sua vez, dividido em lobos frontal, occipital, parietais e temporais. As áreas do córtex auditivo primário, sensível a percepção do tom, e do giro temporal superior estão relacionadas a percepção. O córtex de associação auditiva é sensível a melodia e harmonia. Podemos dizer que a harmonia é o conjunto de notas musicais (por exemplo, os acordes do violão) e a melodia são as notas tocadas separadamente (como o piano, sax ou voz). Por sua vez, o ritmo (a noção métrica-temporal, exemplificada na batida da bateria) é processado no cerebelo, nos gânglios basais e nos lobos temporais superiores. O reconhecimento e a emoção envolvem a memória musical, bem como a sentimento ligado as composições, utilizando-se do orbito-frontal e o sistema límbico.
O pesquisador Ira Altschuler explica: “Música, que não depende das funções superiores do cérebro para franquear entrada ao organismo, ainda pode excitar por meio do tálamo – o posto de comunicação entre todas as emoções, sensações e sentimentos. Uma vez que um estímulo tenha sido capaz de alcançar o tálamo, o cérebro superior é automaticamente invadido”, ou seja, a música é registrada na parte do cérebro que estimula as emoções, contornando os centros cerebrais ligados à inteligência e razão. Estas pesquisas ainda mostram que as mudanças emocionais, direta ou indiretamente provocadas pelo tálamo, relacionadas ao impacto da música no sistema nervoso, podem alterar processos como respiração, digestão, equilíbrio hormonal, atitude, humor, frequência cardíaca e pressão sanguínea, segundo a Revista Capital Ciência. É assim que podemos perceber que as batidas rítmicas – com impulsos – exercem força sobre o corpo, resultando numa série de efeitos físicos e emocionais. Este é o caso claro da influência da música eletrônica sobre seus ouvintes: servindo como um estimulante cerebral, “muitos dos estilos da música eletrônica são capazes de nos levar a estados meditativos e de expansão da consciência, mesmo sem uso de qualquer substância psicoativa”, afirma o colunista Dan Polastri.
Presença confirmada nas festas de música eletrônica, o laser e as luzes estroboscópicas podem intensificar e até mesmo ampliar a manipulação rítmica. Jean-Paul Regimbal revela que as mudanças constantes da cor das luzes e sua intensidade perturbam a capacidade de orientação e os reflexos naturais. Assim, quando a luz e a escuridão se alternam cerca de seis a oito vezes por segundo, o senso de profundidade é prejudicado. Caso ocorra 26 vezes por segundo, a capacidade de concentração é enfraquecida quando as ondas alfas do cérebro se alteram. O controle do indivíduo sobre os sentidos pode se encerrar completamente se a frequência de alteração entre luz e escuridão ultrapassar esse valor por um tempo considerável.
O tálamo, ligado às emoções, controla as glândulas endócrinas, as quais são reguladas pelo sistema endócrino, também relacionado as funções dos órgãos internos –como o coração – e os órgãos respiratórios. Mary Griffiths, fisiologista, explica que “o hipotálamo controla as excreções da glândula tiroide, o córtex adrenal e as glândulas sexuais. Assim, ele influencia a velocidade do metabolismo, bem como a produção de hormônios sexuais. Outros estudos indicam que a música libera adrenalina e possivelmente outros hormônios. Desta maneira, também influencia a resistência da eletricidade da pele pelo corpo”. Não podemos, entretanto, generalizar os efeitos, pois a resposta à música varia de acordo com cada sujeito.
Sabemos que às vezes pode ser difícil escutar música eletrônica fora das pistas e ficar parado. Van de Wall, em seu livro Music in Hospitals, conta que as “vibrações de sons que atuam sobre e através do sistema nervoso dão impulsos em sequência rítmica para os músculos, levando-os a se contrair e a colocar nossos braços e mãos, pernas e pés em movimento. Por causa desta reação muscular automática, muitas pessoas fazem um pouco de movimento quando ouvem música; para que elas permaneçam imóveis seria necessária uma restrição muscular consciente”.
Quem consegue ficar em silêncio ao ouvir sua track preferida? Ao cantar propiciamos a comunicação, pois essa ação modifica o cérebro, mais precisamente o lóbulo temporal direito, liberando endorfina, em especial a oxitocina, trazendo sensação de amor, união e felicidade. Tania de Jong, fundadora do Creativity Australia que acredita nos efeitos terapêuticos do canto, afirma que as pessoas que cantam junto conseguem se conectar melhor, permitindo relacionar-se com sujeitos de diferentes culturas, origens e religiões. Isto é claramente visto nos festivais de música eletrônica em que a multidão se junta para cantar aquela faixa que emociona a todos, conectando-se numa atmosfera com pessoas diversas. Seguindo a mesma ideia, o neurologista Oliver Sacks, autor do livro Alucinações musicais, conta que “a música une as pessoas. É o mais profundo medicamento não químico”. Ele ainda afirma que o poder da música é fundamental para integrar e curar.
Sobre o autor
Vitória Zane
Editora-chefe da Play BPM. Jornalista curiosa que ama escrever, conhecer histórias, descobrir festivais e ouvir música eletrônica <3