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O que será do mercado de agências de entretenimento de São Paulo com a onda das “listas vips”?

Esse post é bem complicado e polêmico, mas acho que passou da hora da gente discutir esse tema! Muitos vão dizer que o VIP é necessário, outros de que é um mal para o mercado. Vamos entender!

O mercado de festas, principalmente na cidade de São Paulo, se desenvolveu muito nos últimos anos, trazendo inúmeros DJs de renome mundial mensalmente. A capital paulista sempre teve uma vida noturna agitada, digna de seu tamanho. Mas com o desenvolvimento da cena eletrônica no país, as festas passaram a ter um nível muito maior do que antes. E claro, sempre, para todos os gostos. Esse desenvolvimento fez com que no mesmo dia aconteçam 3 ou 4 eventos em São Paulo para um grande público com um line-up de peso. Mas essa realidade é uma “faca de dois gumes”.

Desde as clássicas festas underground de Techno e Tech House, organizadas por agências como Carlos Capslock, Tantša e Gop Tun , passando pelas famosas “festas premium” da Fun2U, Keep Young, Shuffle, New Fun, Scheeins, Haute, TAJ , entre outras, com um som mais comercial, até os eventos com sons “nichados” e DJs maiores e mais famosos na Europa e nos EUA, feitas pela Deep Entertainment, Today, Fishfire, Music Motion, Entourage, Plusnetwork , e por aí vai.

Muitas dessas agências e suas festas cresceram muito nos últimos 5 anos, com grandes eventos SOLD OUT que muitos vão se lembrar. Parcerias com grandes eventos internacionais como Tomorrowland, DGTL, Dekmantel, Electric Zoo, Sensation, EDC, Ultra Music Festival, e muitos outros, além do envolvimento com gigantes do mercado como Skol, Heineken, Absolut, Ciroc, Budweiser, somente para citar algumas. As agências foram responsáveis por muitos momentos marcantes na vida do público consumidor e na carreira de DJs.

Em nosso review sobre o que vivemos e aprendemos durante o Amsterdam Dance Event, vimos o quão importante era o RESPEITO de todas as partes nesse mercado. Respeito dos contratantes em organizar um evento de qualidade, seguro e ideal para DJs e para o público. Respeito também dos DJs em comprir com o contrato e fazer da festa um sucesso. Respeito também do público em pagar pelos ingressos em troca de um ótimo evento, divertir-se com consciência e “aplaudir” organização e DJs pela festa bem sucedida.

O problema é que o buraco aqui no Brasil é mais embaixo. De novo, o intuito não é diminuir ou menosprezar o que é nacional, mas os fatos não são boatos. Festas sem organização e/ou segurança, DJs esnobes e sem compromisso e também um público desrespeitoso e que só pensa em ganhar VIP ao invés de pagar o ingresso. Essa é a realidade vista em muitos eventos em São Paulo. Óbvio que não podemos generalizar, mas também passou da hora de pararmos de “tapar o sol com a peneira”.

Entramos naquele velho conhecido argumento do “jeitinho brasileiro” e do “todos querem tirar vantagem”. Isso vale pra todas as partes envolvidas. Também não é o intuito aqui apontar dedos, nem dizer quem fez ou deixou de fazer o que, mas sim, discurtimos o assunto para que juntos cheguemos a uma realidade melhor para todos. Quando o mercado se desenvolve como um todo, todos ganham!

Vamos pontuar algumas verdades e expectativas. Agências de entretenimento (contratantes e organizadores de festas) querem fazer eventos legais e ganhar dinheiro com isso, pois esse é o trabalho delas. DJs querem tocar, mostrar sua arte, ganhar dinheiro e serem famosos. O público consumidor quer se divertir com qualidade, ver seu artista favorito numa festa bem organizada e segura.

Partindo disso, algumas coisas que acontecem por aqui fazem com que todas essas expectativas sejam frustradas, não condizendo com a realidade do mercado.

O ponto focal de toda essa discussão gira em torno das famosas “Listas VIPs” . A onda de listas para entrada franca nas festas tomou conta do mercado em São Paulo de forma surpreendente.

Vale lembrar que “elas” sempre existiram e eram usadas pelas agências para agraciar fornecedores e amigos próximos. Isso sempre existiu. Não foi criado aqui em São Paulo anos atrás.

Para entender melhor como “elas” afetam as festas, vamos primeiro pontuar a realidade de como funciona uma festa ou evento.

A agência se programa escolhendo a data para o próximo ano. Em cima da data, busca-se um DJ headliner que chame público, um line-up complementar de DJs, os patrocinadores (marcas de bebida e cigarro geralmente) e um local. Outros detalhes como estrutura, staff, seguranças, designers gráficos, marketing, etc, vem em um segundo plano. Todas essas escolhas são feitas baseadas em um orçamento, que envolve uma análise do tamanho do evento que se quer fazer, do público que se quer atingir, do estilo do evento, entre outros inúmeros fatores. Essa análise de mercado é muito minuciosa e detalhada e que envolve a estratégia da agência somada à realidade do que está sendo consumido.

Depois que essa análise é feita e que os itens iniciais são decididos, a agência tem um então um valor de custo. Em cima desse valor orçamentário e que se decide a viabilidade dos preços de pista, camarotes e área VIP, quando existentes. A margem que cada agência usa varia, pois isso também faz parte da estratégia de cada uma e não é esse o ponto a discutir.

O que fica óbvio para qualquer um é: as agências programam seu custo com base nos ingressos vendidos antecipadamente. Esse valor recebido paga fornecedores de som, estrutura, staff, marketing, entre outros. No dia da festa vende-se também na hora, mas sempre uma quantidade menor. Essa receita é somada à venda de bebidas durante o evento. Depois de pagar todos os fornecedores, staff e DJs, ou seja, cobrir todo o custo, o que sobra é o lucro. Dessa forma, as agências conseguem honrar com o que propuseram e o evento é um sucesso para todos os envolvidos!

Portanto, é também muito óbvio que as agências não sobrevivem somente fazendo festas com Lista VIP, pois a conta não bate! Uma festa onde 90% do público entrou sem pagar, com seu nome na Lista VIP, vai ter que “tirar” a receita das vendas de bebida. Tudo isso torna o evento mais “volátil”, pois se naquele dia chover ou não estiver tão calor, o consumo de bebida cai. Outros fatores ainda influenciam no consumo do bar, mas uma coisa é certa, os preços das bebidas também vão subir. É algo natural, pois a agência precisa cobrir seus custos para não tomar prejuízo. Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista, e ninguém faz evento com DJ internacional por caridade ou com incentivo do governo.

Podemos também levantar mais problemas advindos disso. Como falta de receita, já vimos que alguns organizadores precisam gastar menos com estrutura e/ou segurança, o que diminui a qualidade da festa. Todos saem perdendo. Aqueles que pagaram ficam indignados, pois não estão tendo uma experiência de qualidade. Aqueles que não pagaram, também reclamam pois não se sentem seguros. Todos reclamam que as bebidas estão caras. No fim, a qualidade do evento cai. Nem vamos entrar na questão dos valores dos cachês dos DJs, pois isso é uma outra história.

Voltando ao cerne da questão e ao título desse artigo: O que será do mercado de agências de entretenimento de São Paulo com a onda das “listas vips”? Não é fácil responder a essa pergunta. Os mais simplistas diriam: “É só parar com as listas”. Mas devido ao grande número de eventos acontecendo ao mesmo tempo, a “lista VIP” passou a ser usada como estratégia de marketing, uma vez que as vendas antecipadas de ingresso possam ter sido fracas ou abaixo do esperado pelas agências.

Conversamos com alguns representantes das maiores agências de festas e eventos de São Paulo, além de profissionais renomados do mercado de música eletrônica para saber suas opiniões e para que juntos possamos chegar a uma possível solução. Tentamos contactar a grande maioria das agências, mas muitas não quiseram falar sobre o assunto! Enaltecemos aqueles que não se calaram e deram os seus pareceres. Vamos à eles:

Sócio e fundador da Agência Today

Hoje em dia o ‘vip’ perdeu sua real essência e significado por conta do excesso de festas que estão rolando em São Paulo. E muitas delas sem algo atrativo ou sem conteúdo artístico, que resultam em uma única alternativa para lotar a festa: abrir lista vip para tentar bombar a festa. Com isso, os organizadores pecam na entrega da festa (perdendo a receita de ingresso), o que claro atrapalha e dificulta a venda de ingressos de quem está fazendo festa no mesmo dia, abrindo lista para possíveis compradores da outra festa.

Nós da Today sempre tivemos uma força muito grande de venda de ingresso nas nossas festas, mas de um tempo pra cá o mercado mudou muito, e traçamos algumas estratégias diferentes para se adequar a realidade do mercado atual. Mas acreditamos que esse é um caminho sem volta, pois quem entrou vip na festa, nunca mais vai querer pagar ingresso para voltar…

É preciso se reinventar, criar e gerar experiências únicas a cada festa para sobreviver no mercado de entretenimento de São Paulo, um dos mais cobiçados do mundo.

Fundador do Brazil Music Conference (BRMC)

Não sou favorável à listas VIP, nem agora e nem nunca fui. Apesar de, reconheço, em alguns poucos episódios, ter usado como ferramenta para encher ou promover um evento. Acredito que desvalorize o que ofertamos, seja o conteúdo musical ou a experiência. Melhor, como alternativa, oferecer descontos, promoções, combos e afins. Tratando-se de música eletrônica, é mais complexo ainda, pois normalmente as boas atrações custam caro e precisamos também desta receita para fechar a conta. Só o bar, não garante. No entanto, não acho que quem faça isso recorrentemente esteja tornando o mercado que atua sustentável e precisará rever esta estratégia para sua sobrevivência. Assim, vale a regra do livre mercado, que se auto-regula, cedo ou tardiamente.

Sócio e fundador da FUN2U, Reveillon Carneiros, Sutton Club e Brexó Bar

Tanto no entretenimento quanto em outros segmentos muita coisa é ciclica. As listas vieram pra preencher uma necessidade que o próprio mercado desenvolveu. Agora é hora de se reinventar! As agências que insistirem no modelo de sempre vao ficar de lado, não tenha dúvida!

É preciso entender que, o que funcionava 2 anos atrás, hoje já não funciona mais! E cada vez esse ciclo estará mais rápido. A internet trouxe uma força e velocidade muito grande pras coisas. Da mesma forma que um projeto nasce e cresce em pouco tempo, ele também pode acabar depois de algumas edições.

Uma coisa que me tranquiliza é: sempre vai ter gente querendo sair e se divertir. E é nossa missão entender o que essas pessoas querem! O que faz elas levantarem da cama e ficarem na rua até de manhã! Muitas vezes nem elas sabem o que querem e é por isso que precisamos pensar por elas e inovar por elas, afinal é isso que esperam da gente!

Event Manager na Entourage Conteúdo Artístico

Agências de entretenimento com propostas de conteúdo artistico e de experiência genuinos não precisam apelar para as “lavagens de VIP”. O que será daquela que o faz? Vai continuar sendo mais uma, se não deixar de existir no meio do caminho.

Sócio e fundador da Music Motion

As “listas VIPs” são ferramentas das agências para atrair o público para um evento que até então não o fez “comprar” ingressos. Seja por não possuir um tema bem estabelecido, um bom artista ou qualquer diferencial explícito. Muitos bares e clubs nos EUA convencionais, partem do princípio de que a entrada do público é livre e assim sua receita é realizada no consumo do bar. Este mesmo comportamento acontece atualmente nos eventos que contam com as listas “VIPs” em São Paulo: a receita total segue a mesma resultante de um maior consumo no bar (público consome mais por não ter pagado ingresso, preços são mais caros, maior número de pessoas do que teria em eventos pagantes).

No entanto, este comportamento está fadado a acabar. Observa-se que o público valoriza eventos cujo a entrega se diferencia daquelas feitas em eventos com “listas vips”. Contratantes tem valorizados a presença artística, diferenciação na cenografia, ambientação, marketing. Isto acarreta em aumento nos custos e inevitavelmente as “listas vips” não se tornam viáveis.

Concluindo, acredito que o mercado (tanto os produtores quanto o público consumidor) passará a valorizar os diferenciais artísticos dos eventos e compreender a necessidade da venda de ingressos. Este movimento, porém, não acabará com eventos nos quais as “listas vips” estão estabelecidas. Entendo que venha a ser um movimento paralelo e coexistente.

Diretor de Marketing na Plusnetwork

O que era para ser uma ferramenta de relacionamento com clientes, reconhecendo o valor e o apoio dos mais assíduos e mais próximos, acabou se tornando uma verdadeira algema para as empresas organizadoras de eventos de música eletrônica. O consumidor percebeu que se não comprar ingressos, no último minuto é bem capaz de ganhar um. Isso porque quem está do outro lado do balcão, os organizadores, assumiram um risco financeiro considerável, que muitas vezes pode levá-los à falência se “bancarem a aposta” – e então ocorre uma farta distribuição de ingressos.

Lista VIP, VIP, cortesia, benefício de aniversariante: os nomes são vários, mas o dano é o mesmo. Com a receita de bilheteria comprometida, a organização tem menos dinheiro para gastar em estrutura e equipe, os preços do bar aumentam e aumenta também a dependência do dinheiro vindo dos patrocinadores – e nem sempre as marcas que o público gosta de consumir são aquelas que têm mais dinheiro para investir em patrocínio, o que acaba influenciando negativamente as vendas, o que obriga a aumentar mais o preço para compensar, o que prejudica a experiência do público, e por aí vai – num círculo vicioso que aqueles que pedem VIP pra tudo sequer imaginam.

O que é pior: o problema não afeta apenas os eventos que distribuem essa quantidade absurda de cortesias, mas também (e principalmente) os organizadores que não compactuam com esta prática. Quando você sabe que vai ter ingressos gratuitos para 3 ou 4 eventos num único fim de semana, fica difícil optar por aquele em que vai ter que pagar pelo ingresso – muitas vezes mais caro do que deveria ser, porque também é preciso reconhecer que, apesar da lei exigir que “apenas” 40% dos ingressos sejam vendidos como meia-entrada, na prática este número chega a 90-95% do total de ingressos. O que ocorre é que ninguém quer mais pagar inteira, e se “travamos” as meias nos 40%, travamos também as vendas gerais – o que faz com que o ingresso fique mais caro para todos, mas principalmente para quem não tem direito ao benefício da meia-entrada e, por questões éticas, recusa-se a pagar R$50 pra fazer uma falsa.

Está aí também uma das razões para o público dos eventos no Brasil ser proporcionalmente muito mais jovem do que em outros países do mundo. O fato é que, entre espertezas de muitos e “benefícios” impostos pelo governo para terceirizar sua responsabilidade de facilitar o acesso à cultura (já imaginou quantos restaurantes quebrariam se, de repente, surgisse uma lei que os obrigasse a cobrar meia para estudantes e idosos, visando erradicar a fome?), está cada vez mais difícil fechar a conta de um evento com boa produção, operação e artistas – e, no fim, o maior prejudicado é o próprio público.

Sócio e diretor de Marketing – Agência Hands Up

O grande problema da atual onda listas vips é o quanto compromete a entrega. O público está cada vez mais exigente e ao mesmo tempo querendo gastar menos dinheiro, esse modelo não é sustentável.

Outra parcela do problema parte do mercado. Por não ter uma grande barreira de entrada, a oferta só cresce enquanto a demanda está estagnada.

O crescimento é desordenado com “aventureiros” que ainda não tem labels consolidados, pecam na criação de conteúdo e acabam abrindo mão de vender ingressos. Essa prática gera um efeito bola de neve.

Creio que em um futuro próximo a “seleção natural” colocará tudo em ordem novamente.

– Já ficou claro que TODOS saem perdendo nesse cenário. Não ache que você que está indo de graça na festa, com seu nome na Lista VIP, está “ganhando” com isso, pois não está! Você poderia ter um evento muito melhor se tivesse pago pelo convite. Com um DJ mais caro, num lugar mais legal, mais decorado e seguro, e provavelmente com bebida mais barata. Tome por base a realidade do mercado na Holanda. A realidade por lá é outra, mas o princípio de teoria econômica é o mesmo, o capitalista.

– A conscientização das agências no geral é algo inevitável se queremos ter um mercado mais próspero em 2018. Assim como tudo em Economia, o mercado de entretenimento funciona como um ciclo. Se todas as festas acabarem com a onda de Listas VIP (como forma de atrair grande parte do público), as pessoas passarão a comprar os ingressos, aumentando a qualidade dos eventos e diminuindo os riscos para os contratantes. O mercado como um todo ganha. Melhores festas, melhores DJs, mais gente feliz!

Vamos buscar um 2018 diferente?